quarta-feira, 18 de julho de 2012

Andorra Ultra Trail Vallnord – Ronda dels Cims (170 kms e 13.000Mts+) - 2012


Eu tinha dito após o UTMB que não voltava a fazer provas tão longas, mas surgiu o desafio e como gosto de desafios lá me inscrevi.
A preparação não foi a melhor. Condicionado pela recuperação dos tendões de Aquiles treinei o que pude, fiz um teste nos 100k do UT de Portalegre e não tive queixas por isso fui em frente.
O Eduardo e a Gaby, companheiros habituais de aventura não puderam estar presentes e isso aliado ao fato de saber que me faltava treino fez-me encarar a prova com muita precaução. O Jorge Lanzinha e o Tozé iam fazer a prova de 35 kms no sábado e sabia que iriam estar comigo ao longo da prova.
A partida foi dada às 08:00 de sexta-feira (06/07) em Ordino ao som de foguetes e com Carmina Burana (Oh Fortuna) como música de fundo, o tempo estava fresco e encoberto perfeito para uma prova destas.
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Depois de percorrer cerca de 1 km de alcatrão na povoação, saio da estrada e subo cerca de 1300 mts+ em 17 kms, subidas fortes e descidas bastante técnicas dão a entender o que me espera.
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Desço cerca de 600 mts em 4 kms até chegar a um ribeiro, começo a ouvir o meu nome, o Lanzinha e o Tozé já estão á minha espera no Refugio de Sorteny, o primeiro abastecimento, (km 21 e 1251 mts de acumulado +).
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Saio do abastecimento e subo em direção a Portella de Rialb são 5 kms e 550 mts de subida, apesar da inclinação não é mto técnica e a progressão é rápida, nova descida e chego ao segundo abastecimento, Coma d’Arcalís, (7:48H de prova, km 32), lá estão novamente o Lanzinha e o Tozé a apoiar Como uma “salada” de milho com atum, bebo um copo de água quente para aquecer, falo ao telefone com o Edu, comento que vou com 3100 mts+ de desnível, abasteço e saio atrás de uma loira. Nem aqui resisto a uma loira gira J.

São 2 kms para subir 500 mts+ até ao cume (Pic del Cataperdis), grande empeno. Até ao abastecimento seguinte é praticamente sempre a descer com muitas zonas técnicas, com muitos lagos e alguma neve pelo caminho, chego ao Refugio Joan Canut Pla del'Estany, terceiro abastecimento, (11:16H, km 43).
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Quando aqui chego, encontro os outros “tugas” que já estão de saída, todos menos o Pedro Basso que se queixa do estomago. Digo-lhes para partirem que eu vou demorar mais um pouco e depois levo-o comigo. Quando vou sair o Pedro diz-me que não está em condições e fica. Começa aqui um dos segmentos mais duros da prova, são 900 mts+ para uma distância de 3 kms, a saltar de pedra em pedra. Os 3000 mts de altitude fazem-se sentir na respiração, os últimos 100 metros são em escalada e a parar de vez em quando para respirar. Quando estou a ¾ da subida passa por mim o Pedro Basso, mas que raio deu a este tipo ainda à pouco estava de rastos ? Tiro umas fotos no ponto mais alto de Andorra - Pic del Comapedrosa, 2942 mts, ao som de gaita de foles e tambores e começo a descer. São 600 mts de descida muito técnica com muito cascalho, terra solta e muita neve. A meio da descida apanho os “tugas”, è o Pedro Basso o Hugo Velez e o Jorge Mimoso. O Jorge Mimoso tem muitas dificuldades a descer e facilmente ganho avanço. Como está a anoitecer resolvo esperar por eles para passar a noite acompanhado. Enquanto espero visto o casaco e coloco o frontal.
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Chegamos ao quarto abastecimento, Refugio del Comapedrosa, (14:40H, km 49). Os paramédicos olham para o Basso, fazem-lhe o teste da glicemia, medem-lhe o ritmo cardíaco e não o deixam continuar, irá ser evacuado de helicóptero para o hospital. Continuamos os três, noite adentro até ao quinto abastecimento, Coll de la Botella (km 56), os últimos 300 mts em alcatrão, são feitos na companhia do Lanzinha e do Tozé.
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Abastecemos, trocamos umas palavras e saímos em direção a Bony de la Pica, são 320 mts+ de declive em 1000 mts. Ainda bem que é de noite e assim não nos apercebemos bem do empeno que estamos a levar. Se a subida foi dura a descida foi demolidora, a primeira parte na vertical, foi feita com auxílio de cordas e depois na horizontal tivemos o auxílio de correntes, entramos numa zona de bosque com muita pedra solta, muitas raízes e muita terra (acho que cai mais vezes nesta zona que em toda a minha vida de Trail). O Mimoso teve novamente imensas dificuldades e a progressão foi muito lenta, foram 4 kms para um desnível de 900 mts-. Até ao sexto abastecimento são 4 kms para descer 600 mts-, uma descida menos técnica que nos leva a La Margineda (22:00H, km 70), a primeira “base de vida”. Entramos no pavilhão às 6 da manha, tento apressar os meus companheiros, mas estes trocam-me as voltas, o Mimoso vai tomar banho e o Velez vai para as massagens. Perdemos uma hora neste abastecimento. Mudo de jersey, trato dos pés, como e deito-me com as pernas para o ar encostadas a uma parede. Saímos para a estrada já de manha. Subimos cerca de 1000 mts+ em 7 kms até ao Coll de la Gallina, não é muito técnica mas é muito desgastante. O calor começa a fazer-se sentir. Para não variar após uma “Subida con fuerte desnivel” vem sempre uma “bajada fuerte” ate ao ponto mais baixo da prova, Sant Julià de Lòria. Como estamos no ponto mais baixo, o que segue é uma “fuerte pendiente” ate ao sétimo abastecimento, Coma Bella (25:09H, km 90). Os 10 kms que se seguem são talvez os mais fáceis da prova, apesar de muito técnico o percurso é praticamente plano. A subida que se segue (Coll del Bou Mort) é talvez a mais difícil da prova, são 5 kms para um desnível de 900mt+. Começo em bom ritmo com o Velez, o Mimoso fica para trás. Apesar de não ser muito técnica a meio da subida com o calor começo a perder terreno e a cerca de 2/3 da subida aproveito a sombra de umas árvores e sento-me a “pensar na vida” o Velez vai a cerca de 50 mts e o Mimoso ainda não se vê. Creio que foi a única vez durante a prova que pensei realmente em desistir. Estou quase sem água, como não sei ao certo quanto tempo ainda falta para o próximo abastecimento tenho de gerir muito bem o consumo da mesma. Finalmente o Mimoso aproxima-se, troco umas palavras com ele, lá me levanto e vou com ele até ao cume. A descida é rápida e os 4 kms que nos separam do abastecimento são feitos rapidamente. Neste troço fico sem água e sou obrigado a abastecer num dos muitos riachos provocados pelo degelo. Um francês que passa alerta-me para o fato da água destes riachos não ser potável já que os cavalos e as vacas os utilizam como casa de banho, mando o tipo dar uma volta e bebo meio cantil.

Chegamos ao oitavo abastecimento, Refugio de Perafita (km 110). Mais uma subida dura de 2 kms e 200 mts+ e uma paisagem de cortar a respiração. Um vale enorme no meio das montanhas com um ribeiro pelo caminho. Chegamos ao nono abastecimento no início da noite de sábado. Refúgio de l’Illa (118 kms). Eu e o Velez tínhamos feito contas aos tempos de corte e sentíamos que não tínhamos grande margem por isso combinamos não demorar aqui muito tempo. O Mimoso vinha um bocado “queimado” e resolve ficar a descansar. Daqui para a frente seremos só eu e o Velez. Saímos do abastecimento debaixo de um vento fortíssimo, subimos um pouco e depois forte descida de 3 kms com desnível de 500 mts-, atravessamos um riacho e começamos a subir, não é muito técnica, mas é muito longa, o campo aberto permite-nos ver os frontais dos outros atletas á nossa frente e também o que temos ainda de subir. A descida é muito técnica e chegamos a um lago, talvez o maior que encontramos, contornamos o mesmo, o luar faz com que a paisagem seja fantástica. O caminho até Pas de la Casa é talvez o mais perigoso de toda a prova. São 3 kms para descer 500 mts- o trilho é de pedra solta, descemos uma encosta em que não conseguimos ver o fim, é de loucos, com 40 horas de prova nas pernas era perfeitamente evitável. Décimo abastecimento Pas de la Casa, (43:15H, km 131), segunda “base de vida”, estão lá à nossa espera o Lanzinha o Tozé a Célia e o Pedro Basso.
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Tratam-me dos pés, já estou com bolhas nos calcanhares, o Lanzinha faz-me uma massagem nas pernas (tenho os quadríceps a “deitar fumo”) o Velez dorme um pouco, abastecemos e saímos novamente. Os quilómetros seguintes são feitos a descer e debaixo de nevoeiro, atravessamos uma zona de ribeiros e encharcamos os pés. O Velez e apesar do nevoeiro faz uma navegação fantástica, mais uma subida demolidora são 750 mts+ para 5 kms o vento é terrível os últimos 200 mts de subida são feitos quase de quatro. A descida que se segue leva-nos ao abastecimento de Vall d’Incles e ponto de corte das 50 horas. Décimo primeiro abastecimento, Vall d’Incles (47:20H, 143 kms) a partir daqui já não há stresses de barreiras horárias.
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Os meus pés começam a acusar os quilómetros, os do Velez também. Mais uma subida de 800 mts+ para 8 kms, o calor volta a apertar, nova descida e chegamos ao décimo segundo abastecimento, Refugio de Coms de Jan (51:29H, 151kms), fazemos uma pausa muito curta e atacamos a ultima subida são 3 kms para 500 mts+. Não tenho a certeza mas acho que neste percurso “mandei vir” com o Velez por achar que estávamos perdidos. (nota de rodapé: aproveitei a vista e aliviei-me a 2200 mts de altitude com uma vista soberba sobre os montes e vales de Andorra. Deixei marca J). Chegado ao cume respiramos fundo e começamos a descer, o início da descida não era muito difícil e poderíamos correr se os pés deixassem, arrastamo-nos por ali abaixo até ao último abastecimento, Refugio de Sorteny (54:30H, km 159), encontramos entretanto o Lanzinha o Tozé a Célia e o Basso, que nos acompanhariam ate ao final.

Os últimos 10 quilómetros foram de muito sofrimento e de progressão muito lenta. A cerca de 4 quilómetros do fim pergunto ao Velez se consegue correr, eu já não aguentava aquele ritmo, queria acabar o mais depressa possível, como a resposta foi negativa apertei os ténis e lá fui sozinho a correr até á meta, os últimos 1000 mts na companhia do Lanzinha e do Tozé.
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Feito. Foram 57:03H para 170 kms.
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Em 172 atletas á partida, acabaram 99. Eu fui o 87º, o Hugo Velez 89º e o Mimoso 90º.
Houve mais três portugueses a acabar, O Jorge Serrazina (18º - 41:35H) o Pedro Marques (42º – 49:03H) e o João Faustino (52º - 51:08H)
Em resumo, os 75 quilómetros iniciais são demolidores os restantes dá para gerir em função dos tempos de corte. As subidas têm declives brutais, as descidas são muito técnicas e prolongadas, os terrenos são muito irregulares com muita pedra. Estamos sempre em altitude, respirar por vezes é complicado. Existem zonas extremamente perigosas. Os abastecimentos eram razoáveis (fiquei mal habituado nos Pirenéus). Foi sem dúvida a prova mais dura e mais técnica em que já participei.
Como nem tudo é mau, as paisagens são deslumbrantes (mas há maneiras mais fáceis de conhecer Andorra) e no meu caso a assistência foi 5 *.
Um grande obrigado ao Jorge Lanzinha e ao Tozé, trataram-me mesmo muito bem.

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