quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ultra Trail Serra da Freita 2011

Especial destaque para os 3.ºs lugares de Arlindo e de Gabi nos respectivos escalões

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Merujal, 2 de Julho de 2011, véspera da prova mais longa que alguma vez tinha feito. Trata-se da Ultra Trail Serra da Freita. Dizem os entendidos que é a prova de trail mais difícil em Portugal, pelo menos gozava dessa fama antes da nova prova de trail que teve a sua primeira corrida este ano, estou a falar da prova ‘Oh meu Deus’, na Serra da Estrela.
Bom, mas ao que parece, a Freita não é pêra doce. Cá estou eu mais uns colegas a levantar os dorsais, de seguida um briefing sobre o que vai ser a prova e as suas dificuldades, bem como alguns conselhos que nos vão sendo transmitidos pela organização. Conselhos esses dados com piadas à mistura, para animar os corredores.
Partimos depois para o jantar oferecido pela organização, cujo prato não é difícil de adivinhar em véspera de prova rija, isso mesmo, massa com carne e bebidas à parte. 22h30, estava deitado mas não a dormir, para além dos agrupamentos escolares que estavam a cantar e a falar e que não deixavam encontrar aquele silêncio desejado para que a pestana caísse e a alma partisse para outras paragens. Não, fiquei ali deitado a pensar no que me tinha metido. 3h30, hora de alvorada, preparado para comer, fazer a higiene matinal, equipar e estar pronto para a partida. Até à hora da partida ainda deu tempo para tomar um café no restaurante do Parque de Campismo do Merujal, onde encontro o Miguel Cruz, que já estava a terminar. Atitude simpática dos responsáveis do restaurante, que já no ano anterior tinham feito o mesmo, como nos informou o Alcides.
A tensão começa a subir cada vez mais, dirijo-me para a partida, alguém me perguntou se já tinha dado o nome, um tipo de check-in para ver se alguém tinha desertado antes do início da prova. É que a organização precisa de saber quantos são e quem está presente para poder fazer o controlo nos devidos postos de abastecimento.
4h30 da manhã, nervoso miudinho dos atletas, música no ar, dá-se a partida e lá começamos nós a somar os primeiros metros, primeiro em asfalto para depois efectuarmos uma saída à direita para terra batida. Entramos numa zona de total escuridão, apenas recortado pela luz que saía dos frontais. Autênticos pirilampos.
Iniciamos os primeiros 5 km a subir até aos 1038 metros de altitude, para depois começarmos a descer. A noite foi dando lugar ao dia, os primeiros raios de sol nascem e já nós estamos a atravessar o rio Paivô. Era bem cedo quando atravessámos o rio e este a obrigar-nos a tirar o camelbak para proteger o equipamento e alguma comida que levávamos. Soube mesmo bem aquele banho assim tão cedo e após 18 km feitos de uma maneira que nem nos apercebemos.
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Chegámos ao quilómetro 20 e encontramos o Eduardo Ferreira, a Gaby e o Lanzinha. O Miguel e eu aproveitámos para abastecer o camelbak, beber Isostar, comer e seguir viagem. Neste momento já o Edu, a Gaby e o Lanzinha tinham partido. Durante este troço de 20 km eu e o Miguel já tínhamos dados as primeiros quedas, que nos serviu de alerta para estarmos mais atentos ao piso. Pois esta prova é muito técnica, não só pelo desnível, como também pelo tipo de piso, principalmente nas zonas de xisto. Qualquer distracção... Antes do quilómetro 30 já tinha o camelbak vazio e estava a gerir a prova sem água, com alguma fome, e foi com satisfação que ao quilómetro 32 havia uma bica de água milagrosa, que deu para abastecer, descansar um pouco e seguir viagem a subir.
Aos caminhos, tantos, a meio de uma encosta, encontrámos um pequeno tractor com atrelado no meio do nosso caminho, mal tínhamos espaço para passar, e ficamos a pensar como é que aquele condutor tinha levado o tractor por caminhos tão difíceis, pedregosos e irregulares. Como é que aquele condutor ia conseguir dar a volta para tirar de lá o veículo. É caso para dizer que este homem é um verdadeiro radical do todo terreno, não porque queira, mas porque a vida assim o obriga.
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Que bom, chegámos ao quilómetro 40, com abastecimento sério mesmo, tínhamos de tudo, até tremoços e cerveja Super Bock. Aqui fizemos o primeiro controlo de material, sentamo-nos um pouco a comer e a beber, a repor água no reservatório e... aí vamos nós. Surpresa, o Miguel teve ali um tendão que começou a dar sinal de cansaço. Faltava-nos ainda 30 km para terminar, apesar de irmos com um bom tempo, para principiantes, troquei breves palavras com o Miguel e disse-lhe que não era vergonha nenhuma desistir. Mas não, apesar da dor estampada no rosto, decidiu seguir e lá fomos, mas desta vez em marcha rápida, sem corrida. Tivemos a sorte de encontrar um companheiro, que já tínhamos encontrado ao quilómetro 32, e que deu ao Miguel um analgésico. Passado um tempo já estava melhor, mas não arriscámos correr.
Aí estamos nós na luta contra as subidas e descidas. Aliás esta prova é isto mesmo, ou estamos a trepar, ou estamos com o máximo de cautela a descer. Mas num cenário fantástico, porque ali as formigas que se vêm a trepar as encostas usam camisolas às cores e depósitos de águas às costas, algumas com bastões, mas isso não quer dizer que já estejam caquécticos, é porque dão um jeito que nem imaginam. O Miguel até dizia que ali na Freita tinha feito dois bons amigos, o bastão do lado direito e o bastão do lado esquerdo.
Quilómetro 50, em Manhouce, foi rápida a paragem porque já estávamos a perder algum tempo e queríamos chegar depressa ao quilómetro 60, pelas razões que já vos digo. Aqui ainda tivemos tempo para tirar umas fotos e ver umas piscinas naturais, onde só apetecia dar um mergulho, mas não podia ser. Ficou a vontade de lá voltar um dia para ver com mais atenção.
Eis que chegamos ao quilómetro 60 depois de uma subida quase feita de joelhos no chão, estamos na aldeia da Lomba, onde uma anciã troca conversa connosco e pergunta-nos de onde somos. Pelo aspecto devíamos pertencer ao planeta dos macacos. Se calhar tinha razão. Aqui tínhamos uma sopa quente à nossa espera, bifanas e cerveja, tremoços para quem quisesse e tudo o resto que é normal nas corridas. Sentamo-nos a comer e depois de saciados, preparamo-nos para partir animados por faltarem apenas 10 km para terminar. Mas 10 terríveis km com as pernas e os pés cansados de tantas horas sempre sem parar. Começámos uma subida interminável numa serra de xisto de difícil progressão. Aqui tenho mais um alento, um telefonema da minha mulher para saber a que hora chegava a “casa”. Pelas minhas contas de principiante nestas coisas de Ultras e de Trail, apontei para duas horas, achei razoável. Mal sabia eu que a cereja em cima do bolo estava para chegar. Com frio, muita humidade no ar, visibilidade fraca para localizar as fitas sinalizadoras, e com a escarpa da Frecha da Mizarela para fazer. Depois de 67 km, ou mais ou menos por aí, ter que descer quase a pique até ao percurso do rio e voltar a subir uma autêntica parede de 1 km até ao miradouro, só possível porque, enfim, tinha que ser e não queríamos ‘morrer’ na praia.
Uff, chegamos ao miradouro, a nossa cara de felicidade ajudou-nos a superar os 1200 metros que faltavam para terminar, sempre acompanhados por um companheiro que decidiu ficar por perto e foi connosco até à meta. Cruzámos a meta lado a lado, tal como iniciámos esta aventura. Fiz o que prometi ao Miguel. Quando chegar ao fim vou abraçar a minha mulher e a minha filha, e por fim dei um abraço forte ao meu amigo Miguel Cruz. Durante a prova tinha dito que esta não voltaria a fazer pelas dificuldades a que nos expõe, não só físicas como psíquicas. Prova muito dura. Como me disse o Alcides, tem tanto de bonita como de dura. E é bem verdade. Mas a Freita é assim mesmo e hoje acho que não pode ser de outra forma. Até um dia... porque eu hei-de lá voltar.
Agradecimentos a todos, em especial ao meu amigo Miguel Cruz, que me desafiou para fazer esta prova (com amigos destes, quem é que precisa de inimigos), à minha mulher e aos meus filhos, que levam comigo lá em casa sempre a falar das provas.
2011/07/03 - 70 Km Montanha Trilhos da Freita (Curso Superior Português para Candidatos a Corredores de Trilhos em Montanha)
Foi com este pensamento que me inscrevi nesta prova, sem qualquer certeza mas com muita vontade para concluir a prova, e o objectivo estava determinado.
Todas as provas que faço são antecedidas por um planeamento, e esta implicava um planeamento extra, não podia abraçar um desafio desta dimensão sem um planeamento mais cuidado, e o trabalho começou, ouvir testemunhos de outros colegas que já haviam feito a prova, preparar o equipamento, transporte para o local da prova, preparar a dormida para a véspera da prova, alimentação, informação detalhada da prova como os abastecimentos e altimetria, material obrigatório, enfim, uma preparação que deve ser muito cuidada para que as falhas e surpresas não “pesem” na altura da partida.
Um factor importante para a minha participação nesta prova foi o facto de poder contar com a participação de alguns companheiros de corrida com quem treino e faço provas, mas contava especialmente com o Eduardo Rodrigues, que desde o início tinha aceite a provocação para fazer a prova e fazê-la juntos até ao final. Esta opção revelou-se muito importante para esta 1.ª Ultra, em todos os sentidos, e que recomendo a quem quiser experimentar um desafio destes, porque acontece muita coisa ao longo de 70 km e durante 16 horas, e não há nada melhor do que ter um amigo por perto para ajudar.
Quanto aos detalhes da prova, o Eduardo já descreveu os principais acontecimentos, apenas junto o facto de até ao quilómetro 20 ter dado pelo menos 4 quedas valentes, mas felizmente sem grandes consequências, apenas umas arranhadelas e espinhos nas mãos e alguns sorrisos pela estupidez da queda, tudo quedas por falta de concentração, pura distracção ou excesso de confiança na forma como estava a “aterrar” os pés no chão. Depois do quilómetro 20 fiz questão de não voltar a cair e aumentei a concentração, não podia voltar a acontecer!!
Ao quilómetro 40, no abastecimento, parei e sentei-me no chão para comer algo e beber, bem como permitir a verificação da prova para o equipamento obrigatório. Estivemos sentados no chão cerca de 5 a 8 minutos. Pensava naquele instante, ainda sentado, que ter chegado ao quilómetro 40 já era uma etapa ganha e os restantes 30 km seriam tranquilos. Quando me levanto senti o meu joelho esquerdo preso, e ao tentar mexê-lo, uma dor imensa. Em menos de um minuto tudo mudou e só pensava “E agora? Isto não está a acontecer...”. Não disse nada ao Eduardo, comemos, bebemos, e começámos a andar. O Eduardo reparou que eu não dobrava a perna esquerda, ao que surgiu de imediato a pergunta sensata do Eduardo “Miguel, se estás mal é agora o momento de parar e desistir...”. Como sou novo nestas coisas achei que desistir seria o mais óbvio e fácil, decidi de imediato continuar e disse ao Eduardo que ia andar um pouco para avaliar se a dor aumentava ou diminuía, podia sempre voltar uns quilómetros para trás e desistir, mas, para minha surpresa, não tinha dores a subir, “apenas” a descer. Passados alguns quilómetros, e depois de um anti-inflamatório que um corredor me deu, até já conseguia correr com uma dor controlável e que me acompanhou até ao final. Mais uma grande lição, não desistir ao primeiro sinal de dor sem avaliar se é impeditiva de continuar a correr, gerir a circunstância.
Da participação fica a memória de muitas e belas paisagens, as povoações, o silêncio, os rios, verde por todo lado, e uma grande experiência de gestão, gerir vários recursos e elementos ao mesmo tempo durante 70 km, como por exemplo, avaliar sistematicamente a minha capacidade física, as dores, a hidratação, a alimentação sólida, o tempo de prova, o clima, a altimetria, o tipo de solo, o desempenho do equipamento e a melhor forma de o usar, não esquecendo a pergunta frequente ao Eduardo “Está tudo bem Edu?”.
A chegada à meta foi feita como eu e o Edu tínhamos combinado, a correr com o tal abraço para festejar a chegada ao fim dos 70 km. Acho que concluímos este curso superior com uma nota que deu para “passar".
Agradecimentos aos Colegas e Amigos que nos acompanharam na deslocação para o local da prova, ao Eduardo Rodrigues pela prova de unidade e amizade que experimentámos nesta prova, ao Eduardo Ferreira, Lanzinha, Arlindo e Alcides que tiveram a bela ideia de arrumar a minha tenda e a minha tralha para que eu quando chegasse não tivesse mais aquela tarefa, foi só tomar banho e rumar a Lisboa, e um agradecimento adicional ao Paulo Rato, pelo apoio que me deu nos treinos e com o material que me emprestou para a prova e que foi muito útil. Até 13 de Agosto em Óbidos.
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- Classificações dos atletas do Clube (de destacar o 3.º lugar do Arlindo e o 3.º lugar da Gabi nos respectivos escalões):
. Ultra-Trail (70 Km)
35 - Arlindo Deus - BCP Millennium - M-50 - 12:13:30;
54 - Fernando Rodrigues - BCP Millennium - M-40 - 13:05:25;
61 - Hugo Luz - BCP Millennium - M-40 - 13:16:50;
83 - Maria Ribeiro - BCP Millennium - F-40 - 13:57:34;
84 - Eduardo Ferreira - BCP Millennium - M-SEN - 13:57:35;
104 - Jorge Calmeiro - BCP Millennium - M-40 - 15:09:54;
123 - Miguel Cruz - BCP Millennium - M-40 - 16:15:20;
124 - Eduardo Rodrigues - BCP Millennium - M-40 - 16:15:21.
. Mini-Trail (20 Km)
50 - Paulo Caetano - BCP Millennium - Masculino - 02:00:51;
113 - Jorge Silva - BCP Millennium - Masculino - 02:32:08;
122 - Óscar Marques - BCP Millennium - Masculino - 02:35:22;
123 - Vitor Correia - BCP Millennium - Masculino - 02:35:22.
Mais fotos em:
Fotos Freita 2011

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