quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ultra Maratona Atlântica 2011

Concluíram a prova 248 atletas, sendo que este ano foram só 14 as desistências (contra 34 em 2010)

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Na véspera desta mítica Ultra Maratona Atlântica (UMA) de 43 km em areia à beira mar, a que os “raiders" (resistentes da prova interrompida nos anos 90 e que viria a ser retomada em 2005 no actual figurino) teimam em apelidar de “Raid Melides-Tróia”, desloquei-me para Tróia para participar, pelo 3.º ano consecutivo, nesta prova que se adapta que nem uma luva ao esforço que pretendo investir (50% corrida/marcha), desfrutando o prazer desta aventura ainda a tempo de concluir abaixo do limite das 8 horas na passagem por Soltróia (km 38,5). A deslocação em autocarro até Melides, com partida para as 6h45. marcou o início do ritual, começando a surgir algumas caras conhecidas e já aqui se nota alguma ansiedade nos “duros” e o semblante de expectativa nos “iniciados” para este invulgar desafio, único em Portugal e na Europa.
Chegados a Melides, toca a levantar o dorsal e abastecer a mochila para a “viagem” e aqui não dispenso os 3 litros de líquidos (em 2009, os 2 litros secaram antes de tempo) porque durante a prova só existirá um único abastecimento de 1 litro de água ao km 28,5 (Comporta). Tiram-se as fotos da praxe (para uma estação de TV, o Eduardo e amigos afinam as vozes e em coro dizem que “vieram de Santarém” para participar na UMA) e, sem que antes deixássemos de ser abençoados por umas pingas de chuva de verão, avançámos para o imenso areal que nos desafiava com a bonita Serra da Arrábida ao fundo. Creio que será mesmo das raras provas nesta distância em que é possível visualizar a zona da meta ainda antes do tiro de partida dado cerca das 9h00, uma vez mais, pelo nosso campeão olímpico Carlos Lopes. Este ano, foram batidos vários recordes na prova, entre eles o de participações ao perfilarem na partida 262 aventureiros. Registo também o crescente entusiasmo de ano para ano em redor da partida, com a presença de muitos amigos e familiares dos atletas, sendo que muito deles acompanhariam a prova ao longo das várias praias da costa alentejana e na chegada a Tróia.
No colorido da partida, já com os raios de sol a brilharem, foi com enorme satisfação que enverguei este ano as cores do nosso Clube ao integrar a equipa Millennium composta pelo Eduardo, Vitor Gomes, João Silva e António Seixas que se estrearam na prova e que no caso do João Silva já prometeu repetir caso não se sobreponha à paixão das braçadas em águas abertas. O início do percurso de Melides até à “Praia da Aberta” (km 5,5) é talvez o único troço que verifico manter-se invariável de ano para ano, com areia solta, plano inclinado, maré ainda subida e a visão espectacular (privilégio de quem parte atrás bem entendido!) de autênticos “carreiros de formigas” que se formam com uns atletas a procurarem a borda d’água e outros a optarem pela areia seca e plana aproveitando os trilhos deixados pelas moto-4 de apoio. Este ano, a novidade foi mesmo o forte vento noroeste que se fazia sentir e nos acompanharia ao longo de todo o percurso, testando a resistência e a paciência dos atletas. Mas não seria este “raid” uma prova considerada dura (noto que partilho a opinião do João de que será uma gota no oceano comparada com a dureza dos trails/ultras de montanha) se à nossa frente se estendesse um tapete de areia rija q.b., qual pista de tartan, céu azul e sol e uma brisa marítima fresquinha, como quase aconteceu em grande parte do percurso na edição de 2009.
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A história da corrida propriamente dita, contada por quem vai na cauda, poder-se-ia resumir a uma imersão na beleza da paisagem, sobretudo na linha de costa ladeada pelas arribas fósseis, e uma corrida/caminhada solitária em muitos troços do percurso, muito propícia à introspecção (“mente sana in corpus sanus”), só quebrada pela rápida passagem pelas praias, ainda por cima este ano menos frequentadas muito por culpa da nortada. Mas aqui ficam alguns apontamentos. A “Porta Aberta” já ficou para trás e os atletas começaram a formar uma fila indiana dispersa e alongada. As praias da “Galé” e de “Pinheiro da Cruz” (km 14,5) estavam ali a um passo e nesta altura sentia-me ainda rodeado de algumas caras conhecidas, desde logo o simpático casal Mota das Lebres do Sado. A progressão fazia-se agora a melhor ritmo, porque entretanto já estávamos em plena maré-baixa e com o piso propício à prática da corrida. Aqui e ali começavam a ver-se atletas a libertar-se do excesso de areia no interior dos ténis, isto os menos prevenidos, porque os “duros” não dispensam as plainas e outros acessórios criativos ou os mais práticos que optam pelos “ténis anfíbios” com sola calejada, tal como a popular Analice, a inspiradora do running barefoot.
Ultrapassada a “Praia do Pego” (km 18,5), rapidamente aproximava-se a “Praia do Carvalhal” (com 20 km exactos percorridos) e com a minha “meia maratona na areia” praticamente a ser concluída. O meu Garmin registava o tempo de passagem de 2h51 (nada mau! mesmo sendo cerca de 1h a mais do que costumo fazer na distância em asfalto). Corri mais 2/3 quilómetros e logo de seguida dou início à caminhada e começo a perder de vista os poucos companheiros de aventura que me circundavam. Reparo numa “rapariga da minha idade”, Fátima Trejo, nuestra hermana de Badajoz, que começou a afastar-se, sendo que no ano anterior tinha assistido à sua desistência na praia da Comporta, tendo ela jurado no blog oficial que iria voltar para se vingar. Voltou e vingou-se porque este ano concluiu a prova em pouco mais de 7 horas. A verdade é que uma das virtudes deste tipo de provas é o facto de nos levar a testar as nossas capacidades e energias, que são sempre maiores do que as que genuinamente supomos possuir, e sentirmos a enorme satisfação quando superamos os desafios e sentimo-nos bem e felizes. Quanto aos companheiros e amigos da equipa Millennium, pouco posso relatar tal a distância que iam na minha frente, mas viria a saber que fizeram grande parte do percurso em “duplas” formadas pelo Eduardo e Vitor na frente e um pouco mais atrás o João e António, e por esta altura já estariam com os olhos postos na praia da Comporta.
Na Comporta (km 28,5), fiz uma breve pausa e logo que retomei a marcha, comecei a ser ultrapassado pelos adeptos da “caminhada nórdica” que rapidamente desapareciam num “esquiar” frenético sobre areias douradas. Mais à frente chegou a altura de também eu ter que me socorrer do bastão (em boa hora o levei!) e comecei a caminhar apoiado, pois já tinha arrefecido e uma recente mazela no tornozelo começou a dar sinais de vida. Não tardou e tinha a “moto-4 ambulância” à minha perna, pois o médico apercebendo-se que coxeava veio prestar-se para me auxiliar. Não dei parte de fraco e dispensei ajuda, claro que uns metros mais à frente saquei do pé elástico que trazia na mochila e ganhei novo fôlego (no dia seguinte, o inchaço no pé estava aí para provar que o corpo é que paga!). Tinha agora todo o imenso areal por minha conta, só partilhada por alguns pescadores, dado que até os habituais adeptos do bronzeado integral, este ano, talvez devido à nortada primaram pela ausência. Assim cheguei a Soltróia 20 minutos antes do tempo limite. Tal como tinha combinado, enviei uma mensagem para a minha mulher avisando “estou a sair Soltróia” e reiniciei a marcha, estimando cerca de 50 minutos para vencer os 5,5 km finais. Mal sabia que tinha acabado de gerar confusão e apreensão na minha mulher que na meta e junto dos moto-4 procurava saber do meu “boletim clínico”, isto porque conhecendo a minha resiliência e se tinha desistido (digo “saído”) em Soltróia só poderia estar muito mal e a caminho do hospital. Tudo isto porque a mensagem foi interpretada como tendo abandonado a prova (a língua portuguesa é de facto traiçoeira!).
Com Soltróia a ficar para trás, aprecio em especial este último troço da prova começando eu já a conhecer cada curva e contra-curva até à curva final desta bela península que nos conduz à meta na praia do Bico das lulas (Tróia). Mantendo a tradição, preservo sempre um “stock” de energia q.b. para correr estes últimos quilómetros. Na chegada, o ambiente era um pouco diferente do habitual pois grande parte da caravana já se tinha deslocado para o lanche na Marina, mas ainda tive direito à foto da praxe da autoria da espiralphoto. Missão cumprida e tinha chegada finalmente a hora da tão almejada e recompensadora melancia doce e fresca (nos últimos anos esta tem sido a melhor melancia da época e do mundo e arredores!), sinal de que afinal tudo tinha acabado nos conformes, apesar da “falsa saída” em Soltróia. Fica a promessa de que voltarei sempre que puder e quem sabe, caso a organização baixe o tempo limite, começar a prepara-me para correr na areia durante mais alguns quilómetros.
A registar que concluíram a prova 248 atletas, sendo que este ano foram só 14 as desistências (contra 34 em 2010) e que foi batido o recorde feminino da prova pela espanhola Gema Borgas de Salamanca com o tempo de 3h42, enquanto que nos masculinos venceu o incontornável Eusébio Rosa do Costa da Caparica com o “modesto” tempo de 3h08. Mas falando dos autênticos campeões, os companheiros da equipa Millennium, António, Eduardo, João e Vítor, apesar do meu testemunho ser em diferido e suspeito, creio que pelas imensas fotos que tive o prazer de apreciar deu para perceber que se divertiram e que alcançaram os objectivos traçados, tendo inclusive registado tempos muito meritórios numa prova com o grau de dificuldade que lhe é reconhecida. O agradecimento a todos os que nos apoiaram, em particular ao Jorge Lanzinha que nos incentivou localmente, e aqui fica o desafio para que em próximas edições o Clube continue representado nesta bela prova.
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Fotos Ultra Areia

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