domingo, 11 de julho de 2010

I Gran Trail Peñalara – 2010

A participação nesta prova surgiu com a necessidade de obter pontos para a inscrição no UTMB 2011 (Ultra Trail Mont Blanc), mas agora que realizei a prova posso dizer que foi uma excelente oportunidade de participar num ultra trail de montanha a “sério” e assim aprender muito sobre este tipo de corridas. É um pouco dessa experiência que vou tentar aqui relatar.
Quando lancei o desafio, mais dois parceiros de “aventuras” se juntaram, o Lan foi o 1º a aderir à ideia com o objectivo de me acompanhar e logo de seguida o Edu, que achou que esta prova poderia ser uma alternativa interessante para ganhar os pontos em falta para o UTMB 2011.
Uma das primeiras coisas que percebi na prova foi que os treinos que tinhamos realizado não se ajustavam à prova. Na prática, além dos treinos da “academia” em que a vertente de trail foi mais procurada, realizámos alguns treinos na Serra de Sintra, procurando sempre incidir mais nas subidas e descidas, em detrimento dos terrenos planos. Mas na verdade, para o tipo de terreno que fomos conhecer, não foi suficiente. A prova realiza-se maioritariamente por caminhos com alguma dificuldade técnica, em alguns casos de elevada dificuldade, muitas pedras soltas, os desniveis a vencer são bastante elevados e na prática muitas vezes é como se estivéssemos a subir ou descer degraus, com a agravante das alturas serem irregulares e os pisos instáveis e escorregadios. E já agora, lembrar também o factor altitude, que claramente foi mais uma dificuldade para a qual não estava bem preparado. Mas nem tudo foi mal preparado e um dos factores que nos ajudou muito foi o facto de termos treinado bastante com os bastões, o que se veio a revelar uma opção acertada, aliás, diria que sem eles não teríamos sido capazes de realizar a prova.
Chegámos a Navacerrada (partida e meta da prova) na véspera da prova e tratámos rapidamente de levantar os dorsais e seguir para o hotel que se situa em Puerto Navacerrada (Alt.1862m), a cerca de 10km de Navacerrada. Oportunidade para começar a ver e sentir a montanha. Pode ser ilusão minha, mas sempre que chego a estes locais com alguma altitude sinto que estou em “território” diferente. As paisagens são “imensas”, deslumbrantes e grandiosas. A dimensão destas montanhas é claramente diferente das nossas serras, a que estou um pouco mais habituado e para além da beleza que nos invade, sinto um grande respeito por este espaço. Os elementos da natureza revelam-se aqui com uma força e violência pouco habituais para quem vive em climas amenos, como é o meu caso.
No dia da prova, alvorada às 6 da manhã (5 de Portugal) e os preparativos do costume, aqui a experiência já vai dando alguma tranquilidade, pese embora as dúvidas que nos assaltam: levo barras suficientes? e a roupa que levo na mochilha, será que chega? a mochila está muito pesada, será que levo coisas a mais?
Pequeno almoço no hotel (bom serviço e muito simpáticos) e chegamos à partida cerca das 7horas. Controle do material obrigatório e passagem para a zona de partida dos atletas. IMGP0310  Pequeno briefing a informar que o tempo está um pouco instável, pelo que é possível que apanhemos chuva. Sorte a nossa que a temperatura no sábado esteve bastante amena e a chuva embora tenha caído nunca chegou a incomodar verdadeiramente. De tal forma que eu e o Edu fizémos a prova toda sem qualquer alteração de equipamento (afinal levámos roupa a mais, mas neste tipo de prova e neste tipo de terreno temos de estar preparados para tudo, literalmente).
Às 8  horas é dada a partida e arrancam cerca de 550 atletas para este desafio: 110kms de distância com 5.000 mts de desnível positivo e um tempo limite de 30 horas para realizar. Ao longo da prova existiam 6 pontos de controle de tempo, que teriam de ser realizados até um determinado horário, sob pena de sermos retirados  de prova, caso não chegássemos dentro do horário previsto.
Se eu quisesse resumir a prova, diria que é: 1 grande subida, 1 grande descida, 1 subida e 1 descida não tão grandes e depois mais 3 grandes subidas e respectivas descidas, como podem ver pelo gráfico abaixo.
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Não resumindo assim tanto, começamos pela subida à Maliciosa (2227m), a 2ª maior de todo o percurso, começa agradável, pela povoação de Penalara, seguida por alguns campos de pasto, entramos em caminhos florestais e depois quando a subida começa a sério, acabam-se os pastos, a floresta e começamos a subir por um carreiro com alguma vegetação, que à medida que subimos vai dando lugar às pedras e rochas que formam degraus de altura variável e de transposição cada vez mais dificil e lenta. IMGP0337 Segue-se em fila “indiana”, não há espaço nem forças para ultrapassagens. O sol já tinha desaparecido há bastante tempo e à medida que subimos aumenta a “humidade” que quando atingimos o cume, é mais chuva que humidade. E claro que a vista prometida de Madrid fica para uma próxima oportunidade, que desta vez não se vê um palmo à frente do nariz. Aliás, as condições eram tão más que na saída do ponto de controle andava toda a gente perdida sem conseguir encontrar o carreiro para descer. Aqui a marcação da prova não estava claramente preparada para as condições climatéricas existentes.
Após uns 10 minutos às voltas, literalmente, lá conseguimos encontrar o “caminho” para descer. Nós e os restantes companheiros, porque a confusão foi generalizada no grupo onde seguíamos. E que descida, até ao Collado de los Pastores (1748m) é muito técnica, com grande declive e muitas pedras soltas. Tropeça-se com facilidade e por várias vezes são os bastões que nos seguram. A esta altura da prova, pensava como ia ser dificil fazer o restante, pois as pernas davam sinais de um desgaste anormal, resultado apenas do 1º pico. E neste momento já tinha percebido o que nos tinha faltado nos nossos treinos, realmente em Sintra não temos este tipo de terreno. A descida termina no 1º ponto de abastecimento – Canto Cochino (1033m), ponto mais baixo de toda a prova.
Após o 1º abastecimento, começamos a subir de novo até Collado de la Dehesilla (1458m). Com esta altitude não oferece problemas de maior e os caminhos ajudam. Descemos de novo, até à Ermida San Blas (1108m), 2º ponto de abastecimento. Aproveitamos os bons caminhos que por aqui encontramos para corrermos de uma forma calma e alternamos com marcha rápida. A principal dificuldade neste momento é calor que se faz sentir, já que o sol apareceu e o “fresquinho” que tinhamos apanhado na Maliciosa é apenas uma agradável lembrança.
Iniciamos a 3ª subida, os caminhos são bons, e vamos por meio de pinhais. A subida faz-se com uma inclinação relativamente suave, mas aqui não é possível correr. O cansaço começa a quebrar a união do grupo e começamos a ter dificuldade em permanecermos juntos. Eu e o Edu estamos pressionados pelo facto de termos de acabar a prova e realizarmos os pontos que dão acesso ao UTMB2011. Já percebemos que a prova é muito mais dura do que tinhamos previsto e estamos preocupados com os tempos de controle que temos de realizar, ainda para mais, sabendo que o ponto mais alto (Peñalara – 2429m) ainda está pela frente e que queremos realizá-lo com a luz do dia (nesta altura não imaginávamos o quanto estava correcta esta nossa “obsessão”). Na parte final da subida, acentuou-se a diferença de andamento e eu e o Edu seguimos ao nosso ritmo até Puerto da la Morcuera (1776m), deixando para trás o Lan. Descansamos enquanto esperamos pelo Lan, para decidirmos com ele o que fazer. Cerca de  5 minutos depois ele aparece e diz-nos quase de imediato que vai desistir ali e pedir para o levarem para Navacerrada. No fundo sente que nos está a atrasar e a colocar em risco a nossa prova e toma a decisão de abandonar. Tenho uma vez mais de agradecer ao Lan esta atitude, só possível pela sua generosidade e camaradagem que já o tinham levado a decidir acompanhar-me neste desafio.
Despedidas feitas e toca a descer até Rascafria (1166m). Vamos com cerca de 40 km de prova, a descida permite alguns períodos de corrida, intervalados com marcha rápida. As pernas já não permitiam muitos exageros e achámos que devíamos poupar para a grande subida que se seguia (Peñalara). Mas antes disso, passámos por alguns dos sitios mais bonitos de toda a prova, com riachos, represas e praias fluviais de enorme beleza, a mim pareciam o paraíso e ainda desafiei o Edu para uma paragem e banhos. Mas a determinação dele era enorme e não cedeu à tentação. Chegados a Rascafria, mais um ponto de abastecimento, neste caso um pouco mais composto, com sandes de presunto e queijo (os pontos de abastecimento da prova eram fracos, comparando com a minha prova de referência – Ronda e em boa hora fomos “carregados” de barras e geis, pois a comida disponível deixava muito a desejar na variedade e até em quantidade).
IMGP0354
Iniciamos a subida para Peñalara, que no fundo é realizada em duas partes, pois temos um novo ponto de abastecimento perto de Puerto del Reventon (2037m). Até aqui sobe-se bem, em bons caminhos que vão subindo a serra em ziguezague. Chegados a este ponto, avisam-nos que o próximo ponto de abastecimento fica a 16km (La Granja), o que pelo nossos cálculos vai demorar cerca de 4 horas a atingir, se tudo correr bem. E na verdade correu, mas demorámos quase mais uma hora do que prevíamos. Mas antes de lá chegarmos, falta Peñalara.
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E começamos a percorrer os 7kms que nos levam lá e que vão revelar-se dos mais duros  e perigosos de toda a prova. Aqui uma nota negativa à organização: em nosso  entender esta subida a Peñalara, pelo lado que nós fizémos teria de ser feita obrigatoriamente de dia, devido aos riscos envolvidos. No nosso caso, acabámos por conseguir fazê-lo, mas muitos atletas fizeram já de noite e ainda agora tenho dificuldade em entender como é possível fazê-lo. Para além da dificuldade fisica, que para nós foi enorme, mas essa faz parte do desafio, senti que devido ao cansaço que trazíamos nesta altura da prova, algumas das passagens que tivémos de realizar, saltando de rocha em rocha foram de um risco enorme e que podem terminar de uma forma trágica. Acresce a este problema, o facto do “caminho” estar muito mal sinalizado, mesmo para quem o faz com luz natural, como foi o nosso caso. Chegámos finalmente a Peñalara e a ncecessidade de colocar luzes e sair rapidamente daquele ponto tão alto e frio, nem nos permite gozar o “momento” de termos atingido o ponto mais alto da prova.
A descida prometia, bastava olhar para o gráfico de altimetria, assim foi. Importa dizer que estava bem marcada, porque tudo o resto era muito complicado. O terreno cheio de pedras soltas, que resvalavam sempre que assentávamos os pés. A inclinação nem falar, bem às vezes parecia a pique. E agora de noite. Mas como a descer todos os santos ajudam, lá fomos. A dada altura começámos a apanhar bons caminhos, mas correr nem pensar. Aliás, desde o km 50 que deixámos de o fazer. Ou porque o terreno não permitia, ou porque as pernas já não aguentavam. Mas quando já nos habituávamos aos caminhos bons lá apareceram outra vez os trilhos técnicos e ingremes que nos iam descer até La Granja (1241m).
Em La Granja tinhamos rancho melhorado à nossa espera e ainda chegámos a sonhar com sopa e massas e outras iguarias deste calibre. Afinal era “apenas”  um caldinho quente e as sandes de presunto e queijo. Comemos o melhor que se podia e arrancámos para a última subida da prova que nos ia levar até Puerto de Navacerrada. Mas antes de chegar à subida propriamente dita, fizémos muitos caminhos bons, dos melhores de toda a prova, no meio de pinhais e seguindo antigos caminhos do pesqueiro real. Era noite fechada, mas aposto que deve ser uma zona fantástica para se passear. E até para correr, mas aqui já não tinhamos qualquer hipótese. Mas conseguíamos marchar rápido e ninguém nos passava e ainda levámos connosco um companheiro que se tinha escapado em Peñalara e que agora estava a pagar o preço desse esforço. Nessa altura eu só me preocupava com o facto do caminho ser tão bom e quase não subir. Vieram-se a confirmar os meus receios. A dada altura, depois de termos passado um pequeno posto de abastecimento (Casa de la Pesca), cerca dos 1500m, começamos a subir por um caminho de pedra solta, com uma inclinação enorme, as pulsações sobem brutalmente. Preciso de parar para recuperar a respiração, estou enjoado, não sei se do esforço, da fraqueza, da altitude, de já ter feito quase 100 kms, ou talvez de tudo um pouco. No final dessa subida, chegamos a Puerto de la Fuenfria (1792m), onde o caminho à esquerda nos vai levar até Puerto Navacerrada. Paramos para fzer o controle de passagem e beber água da dita fonte. Parece que se ganha vida outra vez. Para terem uma ideia, fizémos esta subida a uma média inferior a 3km/h.
Seguimos agora por um caminho bem marcado e que não apresenta grandes desniveis, felizmente. O dia começa a clarear. São cerca das 6 horas da manhã e estamos em prova há 22 horas. Chegamos finalmente a Puerto Navacerrada. Temos mais um ponto de controle e de abastecimento, é  o último. Quando nos aproximamos vários elementos da organização indicam-nos o caminho para o albergue da juventude onde se situa o controle e abastecimento. Temos de descer 2 centenas de metros que depois vamos tornar a subir. É engraçado como estes pequenos desvios nos parecem imensos e despropositados, o que por um lado é compreensível, mas por outro lado nada significam quando postos em comparação com os 117kms que os nossos gps vão registar no final da prova. Aqui outro aspecto que nos desagradou na organização: a falta de rigôr nas distâncias entre os pontos de abastecimento e depois na distância final, que pelas nossas contas deu mais de 7kms face ao prometido. Eu sei que são pormenores, mas garanto-vos que atingidos alguns níveis de cansaço estas coisas chateiam muito.
Retemperadas as forças pela última vez, é tempo de voltar ao caminho e fazer os 10 kms que nos separam da meta. Sabemos que vão ser duros, pois a descida na fase inicial é muito pronunciada e uma vez mais o piso está cheio de pedras soltas. Um verdadeiro suplicio final, mas na verdade neste momento sabemos que já vencemos o desafio e só um acidente nos poderia roubar o momento que tanto esperámos. Com calma e com a serenidade de quem sabe que atingiu o objectivo a que se propôs e para o qual se preparou fisica e mentalmente, fazemos os últimos kms. Ainda temos tempo para correr um bocadinho, pois não havíamos de terminar a  prova sem o voltar a fazer, mas com que custo! O Lan junta-se a nós para fazer os últimos metros, tirar umas fotos e no fundo podermos partilhar o momento único de terminar um desafio desta dimensão e para o qual ele contribuiu de forma decisiva.
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E eis  que terminámos, após 25h06m, em 172º e 173º lugar, fazendo parte do grupo de 263 atletas que terminaram a prova, de 550 que a iniciaram.
Resta-me agradecer:
- a todos que nos enviaram emails, sms e que falaram connosco, mesmo durante a prova. O vosso apoio foi fundamental!
- ao Lan que foi um grande companheiro e capaz de desistir dos seus objectivos para que nós conseguissemos os nossos!
- ao Edu, que me aturou e apoiou ao longo de toda a prova. Foi um previlégio a tua companhia!
Até à próxima aventura,
PQ
Fotos da prova

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