domingo, 16 de maio de 2010

Ultra-trail “101 Peregrinos” - pelo Caminho de Santiago de Inverno - 2010


101Peregrinos_007

101Peregrinos_024
É um fenómeno cada vez mais evidente! O Ultra-trail afirma-se definitivamente como uma fonte de desafios, um modo de quebrar a rotina, de quem maioritáriamente, tem uma ocupação sedentária.
No fim de semana de 8 e 9 de Maio de 2010, teve lugar a 1ª Edição dos “101 Peregrinos”. Uma prova, que como o nome indica teve a extensão de 101 quilómetros, na realidade 102, obrigado GPS!
Com início e fim na cidade de Ponferrada, na província espanhola de León (ao norte de Bragança), havia a possibilidade de percorrer a centena de quilómetros em corrida a pé, duatlo e BTT. O Clube Millenniumbcp, fez-se representar por 5 atletas, um dos quais estreante na distância e os restantes para “amealhar” pontos para o Ultra-trail do Monte Branco, na distância de 160 quilómetros em 2011!
Mas passemos à acção!
Após pernoita no pavilhão desportivo de Ponferrada de sexta para sábado, a partida dos atletas – cerca de 1500 – foi às 10:30h para o BTT e Duatlo, e 11:00h para os pedestres, portanto teríamos que regressar até às 11h de domingo...
O ínicio da praxe, com atravessameno da cidade em direcção à zona histórica e posteriormente aos arrabaldes para descobrir aquele que é um dos caminhos míticos de Santiago – o de Inverno. Assim chamado por ser uma alternativa ao caminho Francês, sobretudo em Invernos mais chuvosos, em que os rios se tornam mais caudalosos.
Após meia dúzia de quilómetros, ficam para trás o asfalto e as zonas urbanas, começamos a ver espaçadamente, na berma dos caminhos, marcos graníticos com vieiras representadas a amarelo – estamos na rota certa! Embora o clima se apresente excelente, com nuvens, mas ausência de chuva e vento, cedo surgem os primeiros sinais de lama, argilosa, teimando em testar o correcto apertos dos sapatos. Há que tentar manter a todo o custo os pés secos, pois será no mínimo uma dúzia de horas a palmilhar montes e vales, e o desconforto potencia os estragos...
Atravessamos agora vinhedos antigos e algumas aldeias centenárias, mas com pessoas! Maioritariamente estradões em bom estado num sobe e desce constante, que faz estragos nas pernas de cada um, mas o clima mantém-se estável. Cada vez mais embrenhados na montanha, estamos rodeados por uma floresta exuberante e preservada, os cheiros húmidos das flores e da terra, o horizonte a perder de vista, os castanheiros centenários, retrocidos pelos ventos e por um processo de crescimento eterno, as neves que ainda cobrem os cumes cimeiros que rodeiam Ponferrada já há muito que ficaram para trás. Estamos por volta do quilómetro 30, já passámos algumas zonas de assistência, e para uma 1ª Edição parece que a Organização se esmerou e as pessoas são amáveis e incentivadoras.
Ao longe começa agora a vislumbrar-se um ícone destas paragens. O castelo medieval de Cornatel ocupado pelos Templários até à data da extinção da respectiva Ordem em 1312. Impressionante! Estrategicamente encavalitado numa penha altaneira e dominadora de todo o vale por onde corre um ribeira, acusa já o peso dos séculos, mas apela à imaginação de cada caminheiro que por ali passa!
Estamos perto dos 40 quilómetros e começam a cair os primeiros aguaceiros, baixa a temperatura e convém vestir um agasalho que dê mais algum conforto. Vai-se correndo onde o terreno o permite, e olhando em redor, o cenário merece-o! Agora temos pela frente uma subida bastante íngreme e com alguma extensão, que nos há-de levar a um lugar soberbo, Las Médulas! Classificadas como património da Humanidade pela Unesco, são o resultado de um dos maiores atentados ambientais que os Romanos provocaram no seu Império. Não teriam ministro deste pelouro concerteza. Embora a sua exploração já fosse anterior, Las Médulas são o que resta da maior exploração aurífera do Império Romano, hoje zona arqueológica.
Uma extensa área argilosa, rodeada por maciços rochosos, onde, um sistema de centenas de quilómetros de canais que atravessavam montanhas inclusivé através de túneis, com uma inclinação inferior a 1% faziam chegar a água, que, conduzida por sistemas de galerias subterrâneas provocavam o abatimento controlodado dos terrenos argilosos e facilitavam o garimpo.
Mas há que continuar a correr, estamos no quilómetro 45, a uma altitude considerável e a chuva, e agora o vento, não permitem paragens senão arriscamo-nos a entrar em hipotermia. Pela frente um estradão de cerca de 15 quilómetros em descida suave, por entre encostas de estevas e pequenos carvalhos, fantástico! Passagem por mais algumas aldeias e zonas de assistência, e o corpo começa a acusar cansaço. Há que ter muito cuidado com a alimentação, e com o desgaste provocado por cerca de 6 horas de prova nestes terrenos de sobe-e-desce acompanhados da chuva que nunca mais parou.
Chegamos então à povoação de Puente de Domingo Flórez, onde a organização colocou num pavilhão sacos dos atletas, que o solicitaram, com roupa limpa ou outras “comodidades”. Que bem que soube trocar de meias, pena foi não ter trazido outra muda de roupa completa, já que está quase a escurecer e a temperatura baixou bastante. Uma paragem de cerca de meia-hora, aproveitar para comer, e à saída paragem num Café para um chá bem quente com muito açucar. Que alento!
Bem, estamos no quilómetro 62 e iniciámos o retorno. Estamos com 9 horas de prova, e nota-se que do nosso grupo, o elemento estreante já não vai correr mais! Falta o equivalente a uma maratona que vai ser feita toda a passo...
Cai a noite, ligam-se os frontais, embrenhamo-nos nos caminhos escuros e lamacentos onde a progressão é cada vez mais penosa. Para a estreia o sofrimento vai ser de horas (quantas?), a energia escasseia, o ânimo foge e os obstácuos são cada vez maiores e mais difíceis de vencer. È aqui que “entra a cabeça”, desistir não faz parte do léxico, e a entreajuda dá os seus frutos! Curva após curva, montanha após montanha, vais-se olhando para o GPS (fantástico companheiro) e o digito das dezenas vai sendo incrementado. Por volta dos 70 quilómetros, o pior troço, uma subida 4 quilómetros, onde tudo se conjugou: escuridão, chuva, lama, pedras. É aqui que está a cereja! Ligar o piloto automático e levantar perna após perna... Que é o quotidiano ao pé destas provações? Chegamos ao cimo e temos companhia! Uma aldeia fantasma com duas ruínas ocupadas por ovelhas, para as quais apontando os frontais, basta contar os olhos reluzentes na escuridão para perceber que é um rebanho numeroso.
Uma curta trégua, e à meia-noite passamos novamente por Las Médulas, agora a povoação e não a mina. Mais uma assistência e um ponto de controlo, pois levamos um passaporte, que vai sendo carimbado em diversos pontos do percurso, para no final atestar que nos fartámos de palmilhar caminhos! E mais um chá bem quente num Café pitoresco, onde os ponteiros do relógio estão mesmo na vertival e sobrepostos! Apanhamos agora um pouco de asfalto em direcção a Carucedo, para voltar a sair para caminhos enlameados até à povoação, estamos por volta do quilómetro 80, será talvez 1:00h da madrugada. Pouco depois o 2º pior momento: uma descida de cerca de 300 metros com lama até aos tornozelos! A inclinação é significativa, o caminho ladeado por taludes, não há hipótese de fuga, e com a chuva torna-se mais escorregadio, há que avançar! Vislumbro Céu mas o sofrimento é enorme, há que desligar a mente e não pensar no que falta. Passou, qual rio agitado que desagua no mar chão, lá vamos progredindo.
Agora não são os cheiros, nem a visão, é o rouxinol que nos acompanhou durante horas, no meio da escuridão e do silêncio, era ele que nos fazia sentir que por ali havia mais vida. E tem cá um reportório!
Chegamos ao quilómetro 87, em Santillana. Já por aqui havíamos passado de manhã, mas éramos outros. Agora, e não antes! Uma sopa morna e toca a andar, estamos a precisar de 1h para fazer 4 quilómetros, desistir é agora impossível. As vinhas ainda por aqui estão, e após uma curva um clarão, após uma subida as luzes de Ponferrada! Estavam a 7 quilómetros e a hora e meia...
Cerca da 6.30h da madrugada e após 19:25h de termos partido daqui, passávamos sob o pórtico da meta!
Bem sei que não é como os que os senhores da mina mandavam construir quando regressavam das suas epopeias! Mas aqui somos nós que nos mandamos às feras..., e este Coliseu não tem grades!
Desculpa sofá, mas ficas-te sózinho no fim de semana!
Terminaram 389 atletas na corrida pedestre, dos quais cerca de 50 eram Portugueses.
Em masculinos, os 5 primeiros eram Portugueses, e em femininos as 3 primeiras também.
Quanto aos atletas do Clube Millenniumbcp há a destacar a Maria Ribeiro (Gaby), por ter sido a 2 mulher da geral e 1ª do escalão, a apenas 30 minutos da 1ª, e a Maria do Céu Silva, que como estreante, ficou em 9ª do escalão e com 81 atletas a cruzarem a meta depois.
Quanto à participação masculina do Clube, estiveram o Eduardo Ferreira, o Vitor Gomes e o Pedro Silva.
Valeu mesmo a pena!
Podem ver o registo do GPSfotos
Segue as classificações dos nossos atletas
Classificação Nome Posição Escalão Tempo Ritmo
64 Maria Ribeiro (1º)-MARCH.*CIVIL MAYOR 35 Femenino 13:54:42.5 08:15.08
65 Eduardo Ferreira (14º)-MARCH.*CIVIL Menor 35 Masculino 13:54:50.2 08:15.09
66 Vitor Gomes (39º)-MARCH.*CIVIL MAYOR 35 Masculino 13:54:58.6 08:16.00
207 Pedro Silva (128º)-MARCH.*CIVIL MAYOR 35 Masculino 19:25:43.4 11:32.05
208 Maria Céu Movilha (9º)-MARCH.*CIVIL MAYOR 35 Femenino 19:25:44.4 11:32.05

1 comentário:

  1. Meus caros,
    Parabéns a todos, excelente prova!!!
    E excelente relato, dá vontade de ter participado... fica para uma próxima.
    PQ

    ResponderEliminar